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As dificuldades do parlamentarismo
Reabre-se, em alguns círculos, a discussão sobre o parlamentarismo, seus defeitos e suas vantagens, dentro dos projetos de reforma política. Um dos mais insistentes mitos de defesa do regime de gabinete – de que tivemos enganosa experiência no Império e breve ensaio na República – é o da estabilidade do governo, com a solução das crises, e a formação de novas maiorias. Durante o Segundo Reinado, a partir da Maioridade, em 1840, o Parlamento e seus gabinetes não passaram de dócil instrumento da facção áulica que cercava o jovem príncipe. A partir de 1847, com a real maioridade do imperador, Pedro II passou a mandar sozinho. Como frisou, na época, Torres Homem, o Visconde de Itaboraí, "o imperador reina, governa e administra".
A estabilidade durante o Segundo Reinado foi a dos interesses das oligarquias e do imperialismo inglês, que cevava o círculo mais próximo do jovem monarca. Contra essa ingerência estrangeira se levantaram os mineiros do Serro e os paulistas de Sorocaba, com a Revolução Liberal de 1842. A República, inspirada na Constituição de Filadélfia, optou pelo presidencialismo, e fez bem, apesar da opinião contrária de eminentes pensadores daquele tempo. As crises debitadas ao presidencialismo teriam sido muito mais graves, sob o parlamentarismo.
Sob o parlamentarismo, Pinheiro Machado, que controlava o Congresso, teria sido primeiro ministro enquanto quisesse. O parlamentarismo não assegura a alternância no poder. Quando o primeiro-ministro é forte, facilita as tiranias demoradas, como a de Salazar. Quando é fraco, o governo é paralisado pelas crises sem solução duradoura.
Com Jango e Tancredo tivemos outra experiência parlamentarista. Decidida sob o perigo e o medo, com votação açodada por um Congresso assustado, a Emenda número 4 foi documento impreciso, de tal forma que o maior defensor do parlamentarismo no Brasil, Raul Pila, preferiu omitir-se. Negando a mais evidente das prerrogativas dos ministros sob o parlamentarismo, a de disputarem as eleições sem afastar-se do cargo, o sistema obrigou Tancredo a renunciar à chefia do governo a fim de garantir sua cadeira de deputado. De qualquer forma, embora fosse parlamentarista por convicção doutrinária, Tancredo queria que o sistema resultasse de profunda reflexão e debates públicos. Foi para esse debate que orientou a Comissão de Estudos Constitucionais que decidiu criar, logo depois de eleito presidente.
O parlamentarismo funciona onde há, no máximo, três partidos fortes, que podem permitir maioria sólida, seja de um só partido, conservador ou de esquerda, ou da coligação de duas agremiações, sendo uma delas do centro moderador. No Brasil não há partidos; há apenas arremedos, que não exibem bandeiras ideológicas, pelo simples fato de que as não possuem. Só quando houver partidos bem identificados, poderemos tentar novamente a experiência –desde que o povo a aprove. De qualquer forma, para o nosso país é melhor o presidencialismo, que permite, mais do que o parlamentarismo puro, a real separação de poderes – que ainda não temos – a mais importante condição para a moralização e estabilidade dos governos. Os legisladores não podem administrar, e os gestores do governo estão impedidos de legislar pela rigorosa ética de Estado. O parlamentarismo parte do sofisma de que é possível separar os dois poderes, o Executivo e o Legislativo, mesmo quando os exercem os mesmos homens. Não se trata de uma consubstanciação teológica mas de pecaminosa promiscuidade, como temos testemunhado, com raríssimos intervalos de lucidez moral.
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Ricardo Romero
Politólogo UBA/UNSAM
www.ricardoromeroweb.com.ar
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